Durante os dias 14 e 17 de abril de 2015 a cidade do Salvador recebeu o II Festival de Ilustração e Literatura da Bahia. Um dos convidados ilustres foi o poeta e xilogravador J. Borges que, além de palestra, realizou uma oficina. Na ocasião, eu tive o privilégio de entrevistar o mestre, que é considerado por muitos o maior xilogravador do Brasil, além de ter recebido o título de patrimônio vivo do estado de Pernambuco.
EM – Mestre J. Borges, em primeiro lugar, gostaria de saber como o senhor prefere se definir: como cordelista ou xilogravador?
JB – Olha, Elton, eu prefiro me definir pelos dois lados. A xilogravura nasceu em mim a partir da necessidade de ilustrar o cordel. O cordel foi o meu início em tudo e eu devo muito a ele. Criei minha família trabalhando com a Literatura de Cordel. Hoje a gravura me alimenta mais, ganhei mais visibilidade com ela, mas não desprezo o cordel. Como diz o provérbio popular: “uma mão lava a outra”.
EM – Como se sente voltando a Salvador e sendo uma das principais figuras desse Festival?
JB – Estou muito alegre porque fui muito bem recebido aqui e, além disso, Salvador é um lugar que eu gosto muito. Faz trinta anos que eu estive aqui e encontrei a cidade muito diferente. O progresso, assim como chegou nas outras grandes cidades, chegou por aqui também. Ela está muito mais organizada, também com muito mais automóveis, muito movimento, três vezes maior do que quando vim aqui nos anos 70. Estou feliz por participar dessa Jornada cultural e espero que o povo fique satisfeito com o meu trabalho.
EM – De onde partiu o seu interesse pela literatura de cordel? Quando começou isso?
JB – Eu morava no sítio, quando criança, e lá não tínhamos acesso ao jornal, à revistas, não tínhamos rádio e ainda nem se fala em televisão. A única diversão que existia era com a Literatura de Cordel, que era lida nos feriados, nos dias santos e na boca da noite. O tempo que hoje o povo gasta assistindo novela era a hora que se assistíamos os dois romances que o meu pai lia e eu gostava muito. Eu me apaixonei por isso e quando cheguei aos 20 anos entendi de comprar, vender e trabalhar com o Cordel, até que escrevi o primeiro. Daí em diante não parei mais. A partir do segundo folheto, precisei ilustrar, pois não tinha quem fizesse isso. Aí eu peguei um pedaço de madeira e tentei fazer. Deu certo.
EM – Me fale um pouco do seu contato com Ariano Suassuna
JB – Em 1970 o Ariano pegou o meu trabalho e disse que eu era o melhor ilustrador do Nordeste na opinião dele. Aí o povo acreditou e eu me dei muito bem com isso. Desde então eu procurei fazer jus à opinião dele, trabalhando dentro da minha linha e do meu traço, com os temas da nossa região, que é muito rica em cultura popular, e por isso eu continuo fazendo os dois – Cordel e gravuras.
EM – O senhor tem alguma técnica específica, algo que o senhor mesmo acrescentou à xilogravura?
JB – Tenho sim. Quando eu comecei a fazer gravuras, só fazia em preto e branco. Eu inovei fazendo a gravura colorida, mas de uma outra forma. Pra se fazer a gravura colorida tem que ser cada cor numa matriz diferente. Aí eu tentei pintar a matriz e deu certo. Hoje 80 por cento do meu trabalho eu faço em cores, pois o povo gosta mais. Foi aí que eu inovei. Quando se trata de impressão eu tenho feito diferente dos outros.
EM – A família Borges é conhecida em todo o país pelo seu trabalho com a Xilogravura. É algo genético?
JB – É, rapaz… Quando eu comecei ainda não tinha ninguém na família. Mas depois apareceu um aqui me ajudando, me vendo fazer… o outro se interessou… e hoje eu acho que existem uns 15 ou 20 na família fazendo xilogravura entre Recife, Bezerros, Caruaru e até mesmo no Rio de Janeiro. Téo, o Joel que é meu primo, o Evanilson que é meu sobrinho, Tem o Severino Borges, que é muito conhecido também, o irmão dele, Silvio, e, das mulheres, tem Nena, que é mulher do meu irmão que faleceu e também desenhava.
EM – Como tem sido feita a divulgação do seu trabalho, não só no Brasil como também no exterior?
JB – Tem sido divulgado sempre. No Brasil, através das emissoras de tv, nos jornais, na internet. E no exterior de vez em quando sai alguma coisa. Conheço muita gente lá fora, já fui em vários lugares da Europa, Nos Estados Unidos e já fui em várias capitais aqui da América do Sul para dar aulas e palestras. Por conta disso, meu nome é espalhado pelo mundo inteiro.
EM – Tem noção do tamanho da sua produção?
JB – Em cordel sim, dá pra contar. Eu geralmente controlo e já escrevi 311 folhetos. Eram 309, mas agora eles deram pra pedir cordel pra casamento, contando a história dos noivos. Aí já sabe, né… eu acabo fazendo por encomenda, pra agradar os amigos, pra dar de prenda a eles.
EM – Como o senhor tem visto a produção da LC nos dias de hoje? Tem acompanhado sua vasta produção?
JB – O cordel tem sido divulgado no mundo inteiro, e por conta dos movimentos estudantis é que ele não morreu. Isso porque nos anos 90 ele estava com o pé na cova, por conta do fim dos cordelistas de praça e de feira… Quase ninguém vendia mais. Por conta das escolas, das universidades, dos turistas e dos colecionadores o cordel recuperou um pouco da sua força. Não totalmente, porque se for comparar com a produção dos anos 50 sua produção hoje ainda não é tão grande. O problema é que os cordéis que são produzidos hoje são muitos de má qualidade. Lá (Pernambuco) tem um monte desses tais poetas urbanos que escrevem muita porcaria. Eu mesmo nem leio. E só estou dando esta entrevista pra você, vou ser franco, porque eu li seus versos ali… e você é poeta. Você obedece às regras do cordel… Esses de hoje não. Eles estão escrevendo numa bagunça danada que ninguém sabe dizer o que é aquilo. Fazem um monte de livretos no formato e dizem que é cordel, mas de cordel não tem é nada.
(entrevista na Biblioteca Pública dos Barris)
EM – não há espaço hoje para a produção de um cordel mais livre sem tanta exigência da rima, da métrica e da oração?
JB – Não. O cordel não é assim não. Tem que ter suas regras, suas rimas positivas. O tempero da poesia de Cordel é a rima, o rapaz não pode chegar e rimar tempo com pensamento, isso não é rimar. No tempo em que eu trabalhava nas feiras, 80 por cento do povo era analfabeto. Ficavam todos escutando os versos. Na hora em que se lia uma história e que tinha uma rima quebrada, o matutão que estava lá, com o saco nas costas, parava e gritava na hora: “Cagou!” (Risos). Eles ficavam tão ligados nas rimas que percebiam na hora. Agora o sujeito que vem de universidade chega escrevendo com um monte de rima quebrada e quer que eu diga que está bom (risos).
Boa entrevista Elton. Ele situa bem o cordel ,anão fala da identidade ou não um com o outro. Xilogravura e cordel não se confundem embora seja essa uma tendência.As pessoas veem uma xilo e pensam em cordel, Não é bem assim. Cordel é o texto. A Xilo o ilustra mas não o enriquece. Claro que com uma Xilo do J. Borges em um bom texto une-se o útil ao agradável Borges tem razão, tem muito embusteiro por aí tirando onda de cordelista. Nas nossas bienais então, é um Deus nos acuda. Tem um colega do J. Borges com larga produção, xilográfo e cordelista, mas não quero falar dele. Deixe pra lá. Tenho pouca coisa de cordel do Borges.
José Walter Pires
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Grande Zéwalter, sábias palavras são sempre bem vindas por aqui. Muito obrigado e fique à vontade para aparecer quando quiser! Abraço!
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