O Blog oprofessorweb.wordpress.com, idealizado e organizado por professores da rede Anísio Teixeira, tem feito um excelente trabalho em prol da educação brasileira. Eu fui o entrevistado da semana e falei sobre alguns trabalhos realizados com o Cordel em sala de aula. Confiram a matéria abaixo e aproveitem para visitar essa belíssima página!
“O Cordel Tem Tudo a Ver com a Educação”
Chegou ao Brasil no século XVI e, de lá pra cá, ainda reclama mais visibilidade e lugar de importância entre os textos literários. Trata-se do Cordel, narrativas em versos impressas em papel simples, ilustradas com xilogravuras e que era, geralmente, exposto em barbantes ou cordas. Com nomes distintos desde o seu nascimento, andou na Espanha como “pliegos suelitos”, em Portugal como “folhas sueltos” ou “volantes”. Foi trazido pelos portugueses, instalou-se na Bahia e estabeleceu-se no Nordeste, região bastante retratada em histórias ricas em dramas e comicidade.
Com uma linguagem coloquial e rimas simples para tratar de temas populares do povo nordestino, o Cordel foi muito estigmatizado, especialmente entre os intelectuais. Por outro lado, apesar disso, há registros de que escritores como João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna, José Lins do Rego e Guimarães Rosa tenham sido fortemente influenciados por essa arte. Vale pesquisar sobre sua história, visitando o site daAcademia Brasileira da Literatura de Cordel, mais uma iniciativa para a sua valorização. Felizmente, nos últimos anos, o Cordel ressurge como objeto de pesquisas acadêmicas e, consequentemente, ganha mais espaço também em salas de aula, onde pode ser contemplado como uma expressão literária e, além disso, como prática sóciodiscursiva. O cordel, afinal, traz uma missão: pretende ensinar a viver o verbo em versos.

Fig. 1: Elton Magalhães é professor de Literatura e poeta cordelista. Foto: arquivo pessoal.
Hoje, o Blog do Professor Web, traz uma entrevista e inspiração para os estudantes e professores com a experiência e talento de um convidado: Elton Magalhães. Nascido em Castro Alves, graduado em Letras Vernáculas pela UFBA e mestre em Literatura e Cultura também por essa instituição. Ele fala do trabalho que realiza em aulas, palestras e oficinas em que utiliza o cordel como opção metodológica.
Para Elton, a Literatura passou a ser um interesse por volta dos 17-18 anos, já na universidade, quando cursou a disciplina Literatura Popular. Ele, eu e todos os educadores deste Blog acreditamos: com cordões e cordéis se faz uma boa rede, um texto bem tecido.
Lilia Rezende (Blog do PW): O cordelista mostra-se comprometido com a realidade e vê, na arte literária, uma forma de expressão e luta. O seu cordel tem engajamento político?
Elton Magalhães: Bem, na posição de professor, nós somos, inevitavelmente, formadores de opinião e, consequentemente, precisamos tomar uma posição política, independentemente de qual seja ela. Sabemos que todo e qualquer avanço social de um grupo ou uma nação deve partir necessariamente da educação. Às vezes, infelizmente, acabo misturando a minha função de educador e a minha condição de cordelista. Muitos dos meus textos seguem uma metodologia e não tem como deixar a política passar despercebida. Ainda mais quando se trata de um país como o nosso, tão frágil socialmente. Já escrevi alguns folhetos de cordel e alguns poemas avulsos sobre essa condição.
LR: Quais as influências para sua produção de cordelista?
EM: Costumo dizer que o meu grande mestre no Cordel é o poeta (e hoje grande amigo) Antônio Barreto. Conheci seu trabalho pela internet, quando recebi um texto seu que versava sobre o caso de uma professora “linchada” publicamente por ter dançado uma música sensual numa casa de shows em Salvador. Aquele foi o meu primeiro grande “barato” com o Cordel. Antônio foi um grande incentivador. Depois que comecei a escrever, foi que me embrenhei a pesquisar outros autores e me apaixonar ainda mais pelos textos. Posso citar alguns grandes: Leandro Gomes de Barros (o “pai” do cordel no Brasil), Mestre Azulão (falecido recentemente), Rouxinol do Rinaré, o Mestre Bule-Bule,Gonçalo Ferreira da Silva, os irmãos Klévisson e Arievaldo Viana, Franklin Maxado e alguns amigos da Bahia: Jotacê Freitas, Creuza Meira, José Warter Pires, Salete Maria. São muitos.
LR: Como se pode construir uma relação entre Cordel e Educação?
EM: O Cordel tem tudo a ver com a Educação. Primeiramente, porque ele não é um gênero em si, é uma vasta área dentro da Literatura e pode aparecer em diversas roupagens, em diversos gêneros textuais. Isso a partir da sua estrutura primordial que é a rima, a métrica e a oração (a sintaxe). Tendo isso em conta, o professor pode trabalhar com um romance, uma piada, com adivinhas, um conto, um texto mais lírico ou até mesmo falar de temas sociais a partir do Cordel. Além disso, a sua estrutura é muito atrativa, faz com que os alunos mantenham-se interessados, já que a rima e a métrica, quando bem usadas, prendem a atenção de quem lê ou ouve. Por fim, a linguagem simples e coesa do Cordel também ajuda no entendimento do texto. Sendo mais acessível, o Cordel consegue dialogar melhor com diversos grupos escolares.

Fig. 2 – Literatura de Cordel: riqueza e tradição na cultura brasileira. Fonte da imagem:Wikipedia.
LR: E na Leitura e Escrita, de modo específico, o Cordel colabora?
EM: Todo tipo de leitura e produção textual em sala de aula é proveitoso. Claro que isso depende da forma como o professor utiliza os recursos que lhe cabem. Para abordar o cordel, é necessário, antes de tudo, que os alunos conheçam a sua história, sua estrutura e a sua importância para a cultura popular do Brasil. Quando essa arte é apresentada a eles, existe uma empolgação imediata. Nas minhas experiências, eu posso afirmar isso. Muitos alunos, inclusive, escrevem textos em rima por conta própria e pedem a minha avaliação.
LR: No projeto O Português na Língua do Cordel, você produziu um livro didático com alunos usando versos populares em torno das Funções da Linguagem e das Variações Linguísticas. Como você lidou com esse desafio de falar sobre a língua, usando a língua numa estrutura e numa linguagem tão pouco usual?
EM: O trabalho foi maravilhoso. Foi uma atividade de metalinguagem, sobre temas que estávamos discutindo em sala de aula. Deixei que eles escolhessem entre produzir um texto em Cordel ou fazer uma prova tradicional. Os que produziram o texto em Cordel se desempenharam muito bem e isso me motivou a organizar uma coletânea com os melhores textos. Foi a partir daí que eu pensei n’O Português na Língua do Cordel, um projeto que parte de oficinas realizadas em sala de aula e que pretende colaborar com os professores e alunos. Os professores podem utilizar esses textos, já que são mais atrativos, para exemplificar os assuntos abordados neles, assim como os alunos podem utilizá-los como ferramenta lúdica na hora de estudar os conteúdos presentes ali. No âmbito virtual, ele teve boa divulgação, identifiquei quase mil downloads do livro que está acessível no blog https://eltonmagalhaes.wordpress.com/.
LR: E a coleção Literatura em Cordel, como tem chegado a professores e estudantes? Tem boas notícias?
EM: Os meus primeiros textos estão nessa coleção. Ao trabalhar com as tradicionais escolas literárias em sala de aula, eu sempre levo esses textos. Eles correspondem a um grande resumo em cordel, narrando de forma lúdica e didática, com um pouco de humor e algumas críticas, o contexto e as características do Quinhentismo, Barroco, Arcadismo e Romantismo. É um projeto que pretendo dar continuidade e, assim que terminá-lo, penso em transformar em livro didático para contribuir para aquisição do conhecimento dos alunos e com o trabalho pedagógico dos colegas professores.
Lília Rezende
Professora da Rede Pública de Ensino da Bahia