Estamos de volta com a nossa sessão de entrevistas e a convidada da vez é a poeta e cordelista sergipana Izabel nascimento, presidente da Academia Sergipana de Cordel e autora de diversos folhetos, como o famoso “Cordel do Zap Zap”, que fez um enorme sucesso em todo o Brasil.
ELTON MAGALHÃES – Izabel, seja bem-vinda ao nosso blog! Sabemos que sua formação intelectual passa pela tradição do cordel, já que é filha de um dos mais importantes cordelistas do estado de Sergipe. Mesmo assim, e para não perder o costume, gostaria que você falasse um pouco sobre como foi esse seu encontro com a literatura de cordel até chegar ao lugar de cordelista em que você se encontra hoje.
De fato, aprendi cordel com a vivência de meu pai, o poeta pernambucano, cordelista e repentista, Pedro Amaro do Nascimento. Ao contrário do que se imagina, aprendi sobre poesia a partir do que eu o via/ouvia fazer. Desde que dei conta de mim no mundo, já me percebia sua expectadora, testemunha dos encontros de poetas em nossa casa, ouvinte das cantorias, declamações e toda sonoridade que o universo da poesia possui. Meu pai escreve cantando até hoje, aos 82 anos de idade. A sua voz é parte do que eu sou, de modo que não houve apenas “o momento” em que ele me ensinou a ser poeta. Ele se mostrou e se mostra um poeta diante de mim, o que ao longo na minha vida, sempre me inspirou a seguir o seu passo. Quando aprendi a ler e escrever (com minha mãe, antes mesmo de ir à escola), eu já tinha as noções básicas de metrificação os versos, o jogo das rimas e o jeito de declamar. Nas fases pós infância, em todos os espaços em que estive (e estou), trouxe/trago comigo, a poesia como herança e minha história em plena poesia em construção.

Com o poeta Pedro Amaro do Nascimento Pai & filha
EM – Me fale um pouco sobre o movimento literário de Sergipe, no que tange a literatura de cordel. Se possível, gostaria que você traçasse um breve panorama e dissesse também como você se encaixa nesse contexto.
IN – Sergipe é um Estado com grande número de poetas. Não há como falar em cordel sergipano sem citar o nome de João Firmino Cabral, ou mesmo o de Manoel D’Almeida Filho, que não nasceu em nosso Estado, mas escolheu Sergipe para viver e traçar o seu protagonismo no cordel. Nossa cena literária é crescente, porém nunca deixou de ser significativa. Muito já se lutou e se luta em defesa da nossa poesia, tendo a resistência como principal razão de nossa existência enquanto poetas. Defender o cordel nos tempos de outrora, foi muito mais desafiador, acredito. Em tempos atuais, as transformações que o cordel tem experimentado em Sergipe não diferem muito do panorama dos outros Estados, respeitadas suas particularidades históricas. Em dado momento, a geração com propensão às redes sociais ampliou as relações e criaram outras possibilidades. As facilidades nas publicações independentes, coletivas ou através de editais, criou um acesso importante que reverberou em diversas ações. Hoje há cordéis e cordelistas, além de nossas publicações literárias tradicionais, presentes em museus, bibliotecas, unidades de ensino, espetáculos musicais, práticas pedagógicas, coletivos femininos, clubes de leitura, academias literárias etc. É preciso considerar esses acessos. Penso que temos muitas estradas para percorrer, sinto orgulho da história do cordel em Sergipe e me sinto feliz em fazer parte dela.
EM – Eu particularmente conheci sua produção através das redes sociais. Não lembro exatamente o ano (acredito que em 2015) que o seu cordel do WhatsApp viralizou. Lembro que eu recebi diversas vezes. Por acaso esse foi o estopim da sua carreira de cordelista?
IN – Acredito que o Cordel do WhatsApp (janeiro/2015) caminhou para além de ser o estopim da minha carreira como cordelista. Ele foi um dos pioneiros no acesso do cordel brasileiro ao universo das redes sociais. Peço perdão pela falta de modéstia que supostamente pode haver nesta afirmação, porém, tal qual uma mãe que toma as dores do “filho”, deixar de defender esta teoria, é não reconhecer este marco e minimizar a ebulição literária que ocorreu naquele período (2015-2017) e que repercute até hoje. Quem, como você, recebeu o Cordel do “zap-zap” através do aplicativo dezenas de vezes por dia, é testemunha disso. Foi mais do que um momento meu, foi um advento do cordel na cena virtual brasileira.
EM – Seguindo o embalo da pergunta anterior, gostaria que me falasse sobre como você têm utilizado o ambiente virtual para mostrar ao mundo o seu trabalho e de que forma ele contribui para a sua trajetória de escritora.
IN – As redes sociais são um mundo que ainda estamos desbravando. Procuro atuar nele da mesma forma que atuo nos espaços presenciais: com respeito, cautela, buscando sempre lapidar a minha escrita e agregar as pessoas. A internet amplia a visibilidade, estabelece vínculos importantes e pode fazer a poesia chegar ao coração das pessoas. Quem dá os comandos às teclas é quem direciona este caminho. Em meu trabalho nas redes, computador contracena comigo. Eu busco as informações técnicas para aprender a lidar com ele, mas não posso esquecer de que a matéria-prima do meu trabalho é a poesia, e esta, nenhum computador por mais potente que seja, consegue fazer.
EM – Uma pergunta que não poderia deixar de ser feita: como você vê nos dias de hoje o lugar da mulher nesse ambiente que quase sempre foi tão patriarcal? Se possível, nos conte os prós e os contras (caso existam).
IN – O mundo continua sendo um ambiente patriarcal e o cordel não está descolado desta realidade, muitíssimo ao contrário. Os desafios da mulher no cordel são constantes e marcham desde os assédios até as perseguições e apagamentos literários. O cordel é o nosso lugar, como todos os outros lugares que quisermos estar, atuar e viver. Acreditar nisso é um combustível essencial para nos fazer seguir, apesar das adversidades. Nesta trajetória, compreendendo a transitoriedade das coisas, não podemos mais carregar os paradigmas do passado como verdades atuais, uma vez que a literatura caminha junto com a história das sociedades. O nosso cordel enquanto voz o povo, merece ser uma literatura que caminha ao lado da história na construção de uma mentalidade progressista. Cordelistas que escrevem hoje com a caneta do passado, não estão somente ultrapassados. Estão produzindo uma literatura delinquente, considerando as conquistas das mulheres e demais segmentos historicamente oprimidos. Não podemos conceber ou aceitar uma literatura de cordel criminosa, em sua produção ou na convivência entre poetas. O nosso desafio é grande, porém a nossa força é maior e continua se fortalecendo. Não iremos retroceder.

EM – Qual o futuro que você enxerga para a literatura popular no Brasil?
No momento de incertezas que atravessamos, eu prefiro vislumbrar um mundo que acolha a cultura, que priorize a vida e respeite a diversidade. Estamos no meio de uma Pandemia que vai deixar um rastro de morte e que no Brasil ganha fôlego a partir do obscurantismo da liderança política fascista, mas que infelizmente encontra coro em parte do nosso povo. Se por um lado este tempo difícil nos massacra, é no escuro que as luzes brilham mais. Que o nosso cordel possa ser essa luz que clareia o momento que estamos vivendo, nos trazendo esperança. Eu não tenho conseguido enxergar o mundo muito a frente, mas consigo enxergar a literatura popular como uma luz dentro dele.

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