ENTREVISTA COM O POETA E EDITOR ZECA PEREIRA

QUEM ACOMPANHA O NOSSO BLOG SABE QUE ESTOU PARTICIPANDO SEMANALMENTE DO PROGRAMA ‘SACADA CULTURAL’, DA RÁDIO BRASIL ATUAL 98.9 FM, EM SÃO PAULO, COMANDADO PELO DANILO NUNES. A INTITULADA COLUNA COM CORDEL TODA SEMANA VEM TRAZENDO LEITURAS DE TEXTOS MEUS E DE OUTROS POETAS. MAS AGORA NO MÊS DE ABRIL RESOLVEMOS EXPERIMENTAR MAIS UM POUCO E INICIAREMOS UMA SÉRIE DE ENTREVISTAS COM POETAS-CORDELISTAS. E PARA ESSA PRIMEIRA SEMANA, CONTAMOS COM A PARTICIPAÇÃO DO POETA E EDITOR ZECA PEREIRA, QUE NOS FALOU UM POUCO SOBRE OS DESAFIOS DE VIVER EXCLUSIVAMENTE DO TRABALHOCOM CORDEL E DA SUA LIDERANÇA FRENTE À NORDESTINA EDITORA. CONFIRAM LOGO ABAIXO:

ELTON MAGALHÃES – Boa noite, ouvintes do programa Sacada Cultural. Hoje nós estamos estreando aqui, na nossa coluna ‘com cordel’, uma série de entrevistas. O primeiro convidado vem lá da Bahia, da cidade de Barreiras e se chama Zeca Pereira que, além de poeta-cordelista, é o responsável pela Nordestina Editora, uma das mais importantes editoras de textos em cordel do Brasil. Olá, Zeca! Para começar, gostaríamos que nos falasse um pouco sobre você, sobre a sua trajetória, como tudo começou. O que te levou a entrar por esse caminho da literatura popular?

ZECA PEREIRA – Olá, Elton! É um prazer estar participando do “Sacada Cultural”. Bem, minha história com o Cordel começou na adolescência, quando vi um texto recitado pelo amigo Valdemir dos Santos, um poema intitulado “As astúcias de Camões”, do autor Arlindo Pinto de Sousa. Dali surgiu minha peixão pela poesia popular. Tempos depois eu passei a ser revendedor de folhetos de Cordel e mais adiante eu comecei a escrever também. Atualmente eu também exerço um papel de editor de textos populares. De 2011 a 2016 eu viajei por vários municípios, desde o estado de Minas Gerais, passando por Goiás, Piauí, Tocantins, Pernambuco, Sergipe, trabalhando exclusivamente em prol da Literatura de Cordel. Apesar de ter, por certo tempo, o Cordel como algo paralelo, em 2011 eu me joguei por aí para viver unicamente dessa arte. Durante essa viajem eu escrevi um texto que diz assim:

Sou poeta viajante
Divulgando meus cordéis
Assim como os menestréis
Em um passado distante
Quando usavam um barbante
Pra fazer exposições
Atraindo às multidões
A bela literatura
Pois o Cordel é cultura
No berço das tradições.

EM – Zeca pereira, gostaria que você nos apresentasse a editora Nordestina, nos fale um pouco sobre ela: como surgiu, como tem sido o trabalho dela em prol a cultura popular, quais foram as produções mais relevantes até agora e o que está por vir.

ZP – A Nordestina surgiu em 2016, num período em que a editora Luzeiro havia parado de editar novos autores. Eu senti uma necessidade de que o Cordel não poderia parar. Haviam muitos autores querendo editar seus textos, por isso achei interessante fundar a Nordestina. Até porque eu já havia parado com as viagens e estava sentindo esse desejo de editar materiais de diversos autores. O primeiro texto a ser editado pela Nordestina foi um de Leandro Gomes de Barros, intitulado “O casamento do velho e um desastre na festa”. A Nordestina sempre foi uma editora que procurou estar junto dos cordelistas, dividindo edições, divulgando esses trabalhos, e procurando, cada vez mais, expandir pelo país as vendas de folhetos de Cordel através de alguns revendedores em diversos estados. Nós já temos mais de 100 cordéis editados, várias antologias, coletâneas e cordéis coletivos. Devido a essas parcerias com os escritores, a gente vem crescendo cada vez mais, porque sozinho a gente não é ninguém. A Nordestina é parceira do cordelista. Às vezes aparecem autores com pouca expressão no mercado, e a gente abre as portas: faz as devidas revisões, sugere capas, sugere títulos também, pois às vezes o autor não traz um título atrativo… enfim, a Nordestina é uma editora parceira do cordelista.

EM – No ano de 2020, em meio à pandemia, você idealizou e concretizou um importante projeto que foi o “Dicionário Biobibliográfico dos Cordelistas Contemporâneos”, um trabalho que pretende fazer um apanhado dos poetas populares de todo o país. Nos conte como foi esse processo e a sua importância para a preservação da nossa história.

ZP – Bom, isso já era um projeto da editora há tempos, só faltava mesmo colocar em pauta, como fizemos nesse ano de 2020. Conseguimos catalogar um número imenso de cordelistas, lembrando que o projeto, a princípio pretendia trazer pra esse dicionário apenas 100 autores. Com o passar do tempo foi aumentando o número e o projeto que era pra ser fechando no mês de maio acabou se encerrando em outubro, quando chegamos ao número de 204 cordelistas catalogados. Nosso dicionário tem 416 páginas e é um livro muito importante, pois o último dicionário editado dentro desse mesmo propósito foi há 43 anos, precisamente em 1978. É uma grande satisfação para nós da Nordestina Editora estar contribuindo com o registro da cultura popular brasileira. Alguns poetas ficaram de fora, infelizmente, mas em breve teremos uma próxima edição atualizada.

EM – Poeta, todo mundo sabe que para o artista independente é muito difícil viver exclusivamente do seu trabalho artístico, ainda mais se tratando de Literatura de Cordel, uma arte que ainda carrega traços de uma “marginalidade”. Você vive exclusivamente da arte, tanto das vendas dos seus folhetos de cordel quanto dos projetos de publicação da Nordestina. Nos fale um pouco sobre as dores e delícias de viver dessa forma.

ZP – Essa é a pergunta que as pessoas fazem a mim com mais frequência quando participo de alguma entrevista. Como viver de cordel num país onde as pessoas leem tão pouco? Claro, viver do cordel é algo realmente desafiador, não basta ser apenas cordelista. É preciso ser também empreendedor. É preciso tempo para estar nas redes sociais, por exemplo, colocando o seu trabalho à venda, precisa ter tempo para estar participando de eventos em escolas e daí por diante. Então, é algo realmente desafiador, A gente não pode se acomodar. Temos que estar, como diz o povo “matando um leão por dia”. Viver da arte não é fácil, tanto que hoje são poucos os cordelistas no Brasil que conseguem viver do seu trabalho de artista. Hoje, graças a Deus, com a Nordestina, as coisas ficaram mais fáceis, porque a demanda é grande. Acabamos pegando muito trabalho para editar. Além dos nosso textos, também temos as coleções e os projetos coletivos que nos ajudam bastante. É juntando tudo isso que conseguimos manter nosso trabalho de pé, principalmente numa época como essa, tão difícil, devido à pandemia do COVID 19.

EM – Como editor, certamente você tem entrado em contato com escritores do Brasil inteiro. Qual o seu olhar a respeito do panorama da poesia popular no país? Há algo que te chame mais atenção? Quais escritores você poderia destacar?

ZP – Realmente hoje eu conheço inúmeros cordelistas, não dá nem pra dizer com precisão quantos cordelistas são de fato. Nós temos algumas grandes referências espalhadas pelo país. Um exemplo é o Marco Haurélio, cordelista e editor que está sempre conosco. Varneci nascimento também, que além de cordelista também trabalha como coordenador editorial, na editora Luzeiro de São Paulo. Tem o pessoal do Ceará, o Klévisson viana, responsável pela editora Tupynanquim, o Rouxinol do Rinaré também. Mas também estamos criando uma bonita parceria com os poetas que estão chegando por agora, que estão buscando conhecimento, procurando editar os seus trabalhos e, como já disse, estamos abrindo as portas da editora para esses autores. Podemos dizer que o cordel está em boas mãos. Nosso cordel hoje é patrimônio imaterial brasileiro e andamos todos juntos, de mãos dadas, todos unidos pelo cordel.

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